Não raras vezes, tomamos notícia sobre empregados (inclusive bancários) que, apesar de terem sido contratados para exercer uma função, na prática, são responsáveis por outras atividades, em muitas ocasiões, até superiores àquelas para a qual foi contratado, sem receber nada mais por isso.

Nesse artigo, vamos tratar sobre esse fenômeno, conhecido como desvio de função, muito comum que ocorre na relação jurídica de trabalho e que causa um prejuízo financeiro devastador ao empregado.

O que é o desvio de função?

Quando o empregado é obrigado a realizar funções distintas daquelas para as quais foi contratado, está-se diante de um típico caso de desvio de função no contrato de trabalho.

Pense no exemplo do profissional contratado para ser auxiliar administrativo de uma pequena financeira. Sua função prioritária e exclusiva é auxiliar no funcionamento da unidade; não lhe cabe assumir outras obrigações. Assim, se esse empregado estiver exercendo a gerência do pequeno posto, gerindo a filial, sendo o responsável por sacramentar operações financeiras, vender produtos bancários, desenvolver o marketing, orientar subordinados e afins, claramente está desempenhando uma função para a qual não foi contratado, caracterizando o desvio. Em suma, o empregado, nessa hipótese, está fazendo tudo, menos trabalhando como auxiliar.

Trata-se de medida lesiva (e bastante comum) praticada contra o empregado, que não recebe de acordo com as funções que está desempenhando.

O que diz a CLT

A figura do desvio de função não está prevista como instituto específico na Consolidação das Leis do Trabalho. Todavia, a responsabilização do empregador, por praticar tal ato contra seu funcionário, decorre do disposto no artigo 468:

Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

§ 1o  Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.

§ 2o  A alteração de que trata o § 1o deste artigo, com ou sem justo motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função. (Grifamos)

Perceba que o dispositivo legal trata da impossibilidade de alteração unilateral do contrato de trabalho, que é justamente o que o empregador faz quando modifica as funções de seu empregado.

Qual a diferença entre acúmulo de função e desvio de função

Quando há acúmulo de função, o empregado realiza a atividade para a qual foi contratado (o que não ocorre no desvio de função) cumulada com outras atividades não análogas ao seu cargo.

Observe o exemplo de uma empregada doméstica contratada para cumprir as tarefas diárias de limpeza de uma casa, mas que passa a ser, também, responsável pelos cuidados de uma pessoa idosa. Nesse caso, há claramente um alargamento das atividades de uma profissional doméstica, a qual, além de realizar os serviços diários de limpeza, também atua como cuidadora.  

Em ambos os casos (desvio ou acúmulo) o empregado é prejudicado.

Como se proteger?

A primeira medida (preventiva) que pode ser tomada pelo empregado (bancário ou não) é exigir, no ato da contratação, que suas funções sejam devidamente discriminadas no contrato de trabalho. Descrever as tarefas é dever do empregador e o empregado a ser contratado deve estar atento a isso.

Se o desvio ou o acúmulo de funções forem verificados depois que a contratação já ocorreu, o empregado deve procurar seu empregador, expondo a situação e solicitando uma providência para corrigir o problema, seja limitando que o trabalho a ser realizado se restrinja apenas às atividades originalmente contratadas ou propondo alteração do contrato, com justacontrapestação (aumento), por exemplo.

Sendo infrutífera a reunião com o empregador, cabe ao empregado reunir provas acerca do desvio ou acúmulo de funções . Se, de fato, o empregado sofre desvio ou acúmulo de funções, não é difícil cercar-se desses materiais. Com isso em mãos, o recomendável é que o trabalhador procure assessoria jurídica.

Como entrar com processo trabalhista por desvio de função?

Se todas as tratativas extrajudiciais com o empregador foram inexitosas, o empregado pode se socorrer ao Poder Judiciário para debater a questão.

Depois de reunidas as provas sobre o desvio ou o acúmulo de funções, é possível o ajuizamento de ação trabalhista, com o objetivo de que se reconheça a prática dessa ilegalidade, assegurando-se ao empregado o recebimento dos valores que foram negligenciados.

Veja o seguinte exemplo: 

O trabalhador foi contratado por uma instituição financeira para o cargo de assistente de secretaria, com remuneração de R$ 2.000,00 mensais. Todavia, quando percebe, está atuando apenas como caixa do banco, não realizando qualquer das tarefas administrativas originalmente previstas em seu contrato. Assim, se a remuneração do cargo de caixa for de R$  3.000,00, esse desvio de função está causando um prejuízo ao trabalhador de R$ 1.000,00 mensais, os quais, se integrados em ação judicial, têm reflexos em todas as outras verbas de direito do empregado (FGTS e multa, aviso-prévio, férias, décimo terceiro, horas extras e afins).

No caso do acúmulo de funções, deve-se observar a existência de previsão em convenção coletiva de trabalho da categoria à qual pertence o trabalhador. Se não existir, cabe o debate judicial para se postular o acréscimo da remuneração, em virtude desse acúmulo.

Como provar o desvio de função?

O empregado que exerce uma função diferente (desvio) ou acumula outras funções pode comprovar que essa situação está ocorrendo através do contrato de trabalho, testemunhas (como outros funcionários da empresa), conversas de telefone (com o empregador ou com outros empregados), documentos em geral (e-mails, vídeos, relatórios e etc)

Contrato de trabalho

Através do contrato é que o julgador poderá analisar para quais funções o trabalhador foi contratado. Por isso, é importante que, no ato de contratação, o empregado esteja saiba inequivocamente quais atividades deverá desempenhar e que isso seja discriminado no contrato.

Testemunhas

A prova testemunhal é importante para reforçar que o trabalhador, de fato, cumpria atividades alheias ao seu cargo. Colegas ou ex-colegas que trabalharam com o reclamante podem depor sobre tais tarefas, por exemplo.

Áudios

Atualmente, muitas ordens são passadas aos funcionários por meio de áudios de seus superiores (WhatsApp, Skype ou por qualquer outro meio). Isso também se presta como prova do desvio ou do acúmulo de funções. Relembre o exemplo da empregada doméstica que recebe um áudio de seu patrão lembrando-a de ministrar o remédio à pessoa idosa.

Documentos

Diversos documentos podem ser úteis para comprovar a irregularidade de desvio ou acúmulo de funções. E-mails trocados com pessoas que não possuem qualquer ligação com profissionais que exercem o cargo para o qual o trabalhador foi originalmente contratado. Relatórios que não seriam produzidos caso não houvesse o desvio. Vídeos (aqui entendidos como prova documental) podem demonstrar que o trabalhador exerce atividades alheias ao seu cargo.

Ficou com dúvidas sobre o desvio e o acúmulo de funções no contrato de trabalho? Deixe seu comentário ou entre em contato conosco, será um prazer lhe orientar.